Eu não brigo pela audiência fácil
O jornalismo online que fazemos hoje não deixa de ser um jornalismo de resultado: todos brigam pela audiência, pela atenção do leitor, cada vez mais infiel, cada vez com menos tempo e paciência para ler notícias.
É um pouco diferente de alguns anos, quando, recém-chegados das redações dos impressos, fazíamos o jornalismo para nós mesmos, nossas fontes e coleguinhas. Ao leitor, só cabia ler.
Hoje, com a demanda do leitor saltando aos nossos olhos, com sistemas de audiência em tempo real nos mostrando o que ele procura e lê, sofremos com outro dilema: qual é o limite da entrega do que ele quer ver com o que ele necessariamente deveria receber?
Vivo isso todos os dias, mas ontem e no fim de semana vivi de novo um tormento.
Com o mais novo escândalo do governo na praça, começaram a circular batos sobre o conteúdo do tal DVD que seria usado contra o candidato tucano ao governo paulista José Serra. No próprio sábado lá estava ele num site de Mato Grosso, Olhar Direto, do qual eu nunca tinha ouvido falar, talvez por absoluta ignorância de minha parte em relação a sites de notícias do interior do país.
O fato é que na madrugada de domingo o blogueiro da Folha Josias de Souza postou sobre o conteúdo do DVD dizendo que a PF confirmava sua veracidade e entregou o endereço de onde achá-lo. Em pouco tempo, outros sites de notícias e portais foram atrás e manchetaram o mesmo.
Não tínhamos essas informações no site onde trabalho. Tentamos a PF: nada. Sequer conseguimos ver as images que comprometeriam Serra no tal evento de ambulâncias: o filme de 23 mega não baixava de forma alguma, talvez devido ao grande número de acessos. Para mim a posição era clara: só daríamos as imagens ou o conteúdo contido nelas diante de uma posição formal da PF sobre as mesmas. Princípio básico do jornalimo: não publicar qq coisa. Principalmente, sem sequer ter visto as imagens do tal DVD.
Por volta de uma hora depois, os sites retiraram o tema das manchetes e recuaram para o mesmo ponto onde estávamos. No fim do dia, ninguém falava mais no tema, ultrapassado pela avalanche de desdobramentos da história.
Na segunda-feira, o episódio foi ainda mais instigante: o vídeo da Cicarelli transando com o namorado numa praia espanhola. Vários sites de notícias (notícias, não de fofocas) publicaram imagens, contavam detalhes e davam o link para o vídeo, retirado do You Tube e migrado para o Porno Tube.
Um repórter vem me perguntar: Damos? Não conseguimos falar com ela para repercutir, mas tá todo mundo dando.
Rodinhas em torno dos computadores da redação denunciavam a mobilização pelo tema. Cicarelli era uma das palavras mais buscadas no nosso sistema de busca. O mais novo concorrente também estava dando.
Não demos. Uma celebridade flagrada por um paparazzo transando com o namorado absolutamente bombaria a audiência. Mas é notícia???? Para mim, não é. Notícia pode até ser a suíte do caso: o paparazzo ser preso, a moça romper com algum patrocinador por conta da repercussão.
Não, não recuo. Não quero essa audiência fácil.
Fazemos jornalismo, o mesmo da TV, dos impressos. Só que o nosso é o online, aquele, clandestino, acusado de pouco siso e responsabilidade. Temos a obrigação de fortalecer a credibilidade de nosso meio, fazendo um jornalismo de maior qualidade. Não acredito na flexibilidade que tentam nos empurrar garganta a baixo, defendendo a publicação de qualquer coisa, justificada pela fluidez do processo : ah, mas é internet, na internet pode.
Desculpem, mas para mim, não pode.